Um Caminho de Dores e de Milagres


A psicologia oncológica explica que quando alguém sofre com o câncer, a família inteira adoece. A tentativa de não se envolver será sempre frustrada, pois há um consequente desgaste entre pais, filhos, parentes e amigos próximos. Do início ao fim, na cura ou na morte, adrenalina e tensão sugam forças internas e provocam conflitos externos. É um duro caminho que ensina muito sobre o ser humano, sobre si mesmo e sobre Deus.

Uma primeira lição é a de que quando alguém está realmente preocupado com o sofrimento do outro, logo age movido de compaixão para suprir-lhe necessidades. É típico em situações de doenças crônicas ouvir e usar expressões do tipo: “se precisar de alguma coisa, pode contar comigo”; “estou orando por você”; “tudo vai ficar bem”. São palavras que podem servir tanto como consolo genuíno, como também de escape para omitir uma ajuda concreta. As ações revelam se o dito da boca é coerente com o que está no coração.

Em um caminho de dores é possível visualizar a reputação que construímos ao longo da vida. E aquilo que colhemos é sempre mais do que semeamos. Se durante a fase saudável e consciente agimos com amor, misericórdia, humildade e verdade, quando a tormenta vier, muitos que foram abençoados com a nossa existência lançarão coletes salva-vidas. Eles surgirão de tempos esquecidos, lugares inesperados, pessoas próximas e distantes, consanguíneos ou admiradores. Na dor, o consolo ou desconsolo recebido é o termômetro do calor dos relacionamentos aquecidos na estrada dos anos.
   
Praticar misericórdia cansa e ao mesmo tempo traz satisfação. Quem exerce capelania entende profundamente a bem-aventurança aos misericordiosos. No início de um diagnóstico crítico há um choque que toca a sensibilidade e solidariedade das pessoas. Mas quando se aproxima o fim da primeira milha, as pernas vacilam e muitos desistem de continuar o percurso da segunda jornada. Nessa etapa se provam a força dos laços familiares e a lealdade dos amigos.

A dor do outro é minimizada por quem está longe. Quem está distante não enxerga, não sente, nem mede adequadamente a dimensão do sofrimento alheio. Mas para estar próximo não precisa está no mesmo lugar. Ações de solidariedade ultrapassam fronteiras espaciais, tocam por mãos alheias e principalmente pela intercessão a Deus.

A fragilidade de um doente o torna vulnerável à exploração. Por isso, não é de admirar a existência de uma indústria, de um mercado e de uma teologia do câncer. Falta de transparência médica, preço abusivo de medicamentos e um discurso religioso que alimenta a culpa afrontam o doente. É um abuso predatório, como um animal que persegue sua presa até cansá-la e então devorá-la. Deve ir para trás das grades quem usa a angústia de uma família para tomar vantagem sobre sua dor. Infelizmente, existem monstros assim.

A morte é o aguilhão do pecado que espeta o corpo para julgamento da alma. Ela é tão certa que humilha qualquer atrevimento antropocêntrico. Quando assediados por ela, as emoções insistem em deturpar a razão e só podem ser equilibradas por meio da fé. Esta não deve ser depositada em qualquer coisa ou pessoa, mas no Senhor da vida, o qual atende pelo nome Jesus. Ele é maior que a própria fé. É infinitamente melhor largar-se em seus braços do que tentar impor a vontade sobre a dEle. Isso não significa acomodar-se à situação, nem muito menos desistir. Como diz o poeta: “milagres acontecem quando a gente vai à luta”. É só lembrar do rastejar da mulher com fluxo de sangue, dos quatro homens que elevaram o amigo paralítico por cima da casa de Pedro até a presença de Jesus ou dos gritos incontinentes de cego Bartimeu: “Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim!

Quem trilha pelos caminhos ou ao lado de alguém com uma doença como o câncer, passa por lugares-comuns como cirurgias, radioterapia e quimioterapia. Por quem seremos consolados durante esse caminho faz toda a diferença, pois quando entregamos a vida e a morte a Deus, a vitória já é certa, mesmo que os resultados a olho nu apontem o contrário. O consolo do Senhor é eterno e o seu amor é manifestado através do carinho e da ação de amigos e irmãos. Tal verdade nos impulsiona a prosseguir crendo e experimentando o milagre. E mesmo que digam que não há mais esperança, pela fé corremos contra ela.

Pr. Alex Gadelha

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Verdades absolutas em um mundo que odeia padrões"

Um amor que Excede a todo o Entendimento

Pode um cristão protestante votar em candidatos de esquerda?