“Eles nem sabem que coisa é envergonhar-se”
Jeremias é um daqueles homens de quem pediríamos a Deus porção dobrada de seu espírito. Isso significaria uma dose dupla de coragem, temor, persistência, ousadia, resistência e tantas outras atitudes de um coração virtuoso. Era filho de Hilquias, o sacerdote de quem herdaria o ofício religioso. Mas de forma surpreendente, como Deus gosta de fazer, ainda jovem ouviu o chamado para repreender os muitos pecados de Judá, dentre eles a aliança feita com os caldeus, idolatria, malícia, corrupção sacerdotal, prevaricação e constante hipocrisia.
Desde o início, o Senhor havia deixado claro que a missão designada não seria fácil porque sua pregação repercutiria em todo o mundo de seu tempo. Disse-lhe o Senhor: “Olha que hoje te constituo sobre as nações e sobre os reinos, para arrancares e derribares, para destruíres e arruinares e também para edificares e para plantares” (1:10). O conteúdo de seus discursos possuía um teor condenatório, isso causou inquietação entre reis, autoridades religiosas, familiares e em toda a sociedade israelita. A dureza das palavras postas por Deus em sua boca reprovava principalmente o culto superficial dos judeus e as abominações idólatras praticadas pelo povo. A fidelidade do jovem profeta à sua missão lhe custou os privilégios sacerdotais, a morte de sua amada e a própria liberdade, além de rigorosos sofrimentos nas mãos das autoridades furiosas.
O que mais impressiona na geração do profeta é a frieza da nação diante das imundícies praticadas. Havia uma descarada religiosidade frívola que tentava camuflar a infidelidade do povo. Deus enviou Jeremias para adverti-los sobre o fato de que o Juiz de toda a Terra não estava alheio às motivações egoístas e práticas pecaminosas da nação. Os pactos com pagãos e as escolhas das autoridades culminariam em um tempo de desgraça, destruição do templo, dos muros e da cidade de Jerusalém, além de dura escravidão, morte e tantas outras desventuras sujeitas a qualquer que se desvia do Caminho. A dureza de coração demonstrada pelos seus compatriotas mereceu todo rigor da punição. Perceba nas palavras do profeta a condição em que o povo se relacionava com o seu Senhor: “Serão envergonhados, porque cometem abominação sem sentir por isso vergonha; nem sabem que coisa é envergonhar-se. Portanto, cairão com os que caem; quando eu os castigar, tropeçarão, diz o SENHOR” (Jeremias 6:15).
Eles não sentiam vergonha pelo pecado. Sabe o que isso pode resultar na vida de alguém que serve a Deus? Acúmulo da ira, perigo, castigo eminente. Ora o que significa não sentir vergonha? A palavra vergonha vem do latim verecundĭa, era utilizada para descrever a vermelhidão nas faces provocadas pelo insulto à honra. Neste sentido, não sentir vergonha é próprio de pessoas que não possuem respeito a si mesmos e aos valores que assumem. Sentir vergonha, no sentido aqui discutido, deve ser entendido como zelo pelos valores que assume, pelas crenças as quais se dedica e pelas pessoas a quem ama. Não cuidar pela coerência entre o que acredita e o que faz é falta de vergonha. Falta de honestidade consigo mesmo e com os outros com quem convivemos, mas principalmente com o Deus a quem nos entregamos.
Será que a geração dos crentes do século XXI assemelha-se a do profeta Jeremias? Alguns, envergonhados, irão dizer que sim. atualmente podemos observar a falsa espiritualidade que contamina igrejas, diagnosticada nos belos discursos impregnados de um distanciamento exorbitante da prática. Assim fica difícil de lidar com as pessoas, pois não assumem sua real condição diante de Deus e ainda mostram-se externamente “fervorosos” a sociedade. Entretanto, o fato é que ninguém é tolo o suficiente para ser enganado centena de vezes. Como diz o provérbio popular: “Você pode enganar cem pessoas de uma vez, mas não enganará cem vezes a mesma pessoa”. Um dia a máscara cai e enxergam a falta de vergonha que tanto cauteriza a mente e o coração dos hipócritas.
Procuram-se pessoas de vergonha. Homens e mulheres que sintam quando sua fé e honra estão sendo feridas e que zelem por preservá-las ou recuperá-las. Não apenas a Igreja, mas a sociedade com um todo mostra o caos quando a honra é relativizada ou ignorada. Enquanto não houver uma construção sólida de uma consciência baseada nos ensinos de Cristo e na Pessoa de Deus, haveremos de sofrer com o péssimo testemunho dos desavergonhados. Então podemos concluir que um dos atuais desafios para os discípulos de Jesus é o de assumir uma postura de coragem profética, ou seja, abraçar a idéia de serem modelos de honra para a presente geração.
Pr. Alex Gadelha.
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