Vou pular o Carnaval


Praça da Folia/Alexandria/RN
          Ouvi muitas vezes essa expressão na infância, quando vivia na pequena e carnavalesca Alexandria. Nesse período, as tranquilas ruas ficavam povoadas pelos foliões. Os blocos sobre caminhões ou em caminhada chamavam a atenção com suas charangas e “abadás” coloridos. Carros velhos eram propositalmente depenados, ficavam sem portas e sem tetos, pichados com frases engraçadas e palavras de duplo sentido. Homens vestidos de mulheres, crianças com máscaras de papelão, daquelas compradas nas bancas da feira do Sábado. Havia tantos rostos, roupas e cabelos com o brilho da purpurina, como fantasmas de farinha de trigo. O Clube Arca oferecia a matinê, entrada com direito a picolé de graça e refrigerante de cereja. Dilúvio de alegria para uma criança do sertão. Muita “gente de fora”, das cidades circunvizinhas, “do sul” e até estrangeiros, como o primeiro que vi na vida, um americano alvo como a neve, enorme como um poste, com basqueteira nos pés e um jeito diferente de pronunciar a palavra “rapadura” que quase matava de rir. A praça central era atravessada por cordões de bandeirinhas coloridas, nos postes havia dependuradas imagens de palhaços com largos sorrisos. A cidade experimentava um frenesi que só vivendo para ver. Carnaval decidia eleição. Ai do prefeito que não investisse na festa! E após o último dia de festa, chegava a vez da alegria do padre. A igreja matriz ficava lotada de pecadores à procura do pó mágico do perdão, uma cinza que esfregada na testa em forma de cruz purificava das coisas erradas feias praticadas nos quatro dias de farra. Era o olhar de uma tenra criança.
          “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, pensava como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino”. (1ª Coríntios 13:11). Após alguns anos, retornei à cidade e à festa, dessa vez com pêlos no corpo, um caroço na garganta e um olhar atento para detalhes. Os quadros da memória carnavalesca mudaram, ao invés de coloridos tornaram-se lúgubres. Era possível ver cenas de fuga, vazio e morte. Estava à mostra, mergulhada em garrafas de bebida ou frascos de lança-perfume, a consciência de adultos, jovens, adolescentes e infantes, sim crianças. E os namoros? Geralmente tinham prazo de validade até após o baile, descartáveis como as camisinhas deixadas em becos ermos e escuros. Mas às vezes, o fogo da paixão resultava em gravidez, um prato suculento para a fofoca no primeiro varrer do dia. Pequenas calçadas pareciam gigantes. Em alguns casos apenas a vassoura não dava conta, além do refugo dos vícios, havia um forte odor de urina. Os banheiros públicos, a visão do inferno, insuportável até para bêbados. Então, qualquer coisa redonda, como pneus de carros estacionados longe do “furdunço”, transformava-se em vasos sanitários. Quando não serviam como descarga urinária ou sêmica, os automóveis faziam parte de tragédias estatisticamente preanunciadas. Nesse quadro fúnebre, ainda há histórias de desentendimentos e ciúmes resolvidos na força do punho, ao fio da faca ou no apertar de um gatilho. E assim terminava a festa: o pulo resultado em queda, o riso transformado em vômito e a alegria em luto. Era a observação de um jovem que começava a ver o mundo de um ponto de vista diferente da maioria.
          Hoje, mais de quinze anos depois, adulto, decidi pular o Carnaval. Vou passar mais um ano por cima da Festa da Carne (Carnavalis) e continuar a celebrar a Vida Abundante doada por Jesus, recebida com sobriedade e esclarecida pela Palavra. A mente renovada pela Sabedoria do Alto aponta para caminhos de paz, descanso e alegria do Espírito, junto ao Senhor e à Sua Igreja. É uma festa que acontece todos os dias no clube do coração convertido. Segura, saudável, sem retalhos de prazer ilícito, mas com vestes de santidade. Passe por cima também desse Carnaval.

Pr. Alex Gadelha

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