2011: O que quero trazer à memória



Mais um ano e mais um balanço reflexivo sobre ações, sentimentos e experiências vividas ao longo de 365 dias. Há uns tempos aprendi que viver sem consciência deságua em rotina, monotonia e tédio. Cada pessoa então deveria escrever um diário, somente assim poderia ver-se melhor para enriquecer a relação com os outros e consigo mesmo. Ainda que a memória insista em rebuscar momentos traumáticos, podemos equilibrá-los com vivências que trouxeram alegria e crescimento interior. Em meio às intempéries de um ano que findou, “quero trazer à memória aquilo que me dá esperança”. Isso não significa ignorar dores, perdas ou decepções, mas vê-las como um conteúdo a ser aprendido, refletido e transformado em maturidade.
            Quero trazer a memória os juízos que fizeram sobre mim. Julgar é atribuir ao outro a condição de culpado ou inocente a partir de uma lei aplicada às ações. O problema é que o princípio que rege nossos julgamentos geralmente está de acordo com o desejo de que os outros sejam iguais a nós mesmos. Por isso condenar aquele que não supre as expectativas idealizadas é uma prática tão comum entre os mortais. Estamos limitados a atribuir valor ao outros baseados no que ouvimos e enxergamos. O limite está no fato de não conseguirmos sondar as intenções do coração. Ser julgado é algo desconfortável, mas se torna pior quando quem está com o martelo na mão, ou palavras na língua, é um covarde. Covarde é aquela pessoa que omite a si mesmo, mas é capaz de persuadir e usar outros para disseminar seus juízos. É aquele que não vai direto ao ponto ou que se esconde por trás do anonimato. O covarde é o pior dos seres humanos.
Diante de um julgamento podemos ter diferentes reações. De repente podemos ser guiados pelo dito popular “quem não deve, não teme” e simplesmente ignorar o que estão falando a seu respeito. Ou ainda nos defrontarmos com o maledicente e realizamos uma investigação acurada para descobrir a origem e motivos da maledicência. É uma pesquisa longa, desgastante e na maioria das vezes inútil. Mas ainda cabe uma terceira reação, que é a de pensar sobre o dito. De repente o juízo está sendo reto, leal e provocador de mudanças. Se for uma acusação falsa poderá servir para despertar um senso de vigilância sobre atitudes mal interpretadas. Agora o cuidado a ser tomado é o de não ser escravo da reputação. Os estigmas impressos sobre nós não devem adoecer nem sequer furtar o sono. Por isso precisamos antes perguntar quem está por trás dos juízos. Se for uma pessoa considerada honesta e de bom senso, ganhe tempo ao sentar, olhar nos olhos e ouvi-la sem resistência. Depois pese, meça, examine tudo e retenha o que é bom para os dois.
Quando penso no que ouvi este ano, apenas sorrio. Fui bom moço para alguns e vilão para outros. Algumas pessoas atribuíram-me a contradição, outras a sinceridade. Acho que fui isso e outras cositas mais. A harmatiologia ajuda a entender quem sou sem crise. Não deixei de dormir nem de comer pelo que estavam dizendo. Não quero ser escravo da opinião de ninguém, também não desejo ignorá-las nem tão pouco investigá-las obsessivamente. Quem vive a catar penas de ganso lançadas ao vento é um sério candidato a loucura. É melhor ter uma consciência orientada e medida pelos valores do Justo Juiz. Este continua a gerar paz, coragem e humildade no coração de quem o ama.
            Quero trazer a memória pessoas relevantes, bem como aquelas que se tornaram assim, com quem tive o prazer de compartilhar a estrada da vida pela primeira vez. Amei cada uma delas, algumas com mais intensidade, outras com maior intimidade. Todas observadas carinhosamente. Notei-as, não passaram despercebidas, mesmo que tenham pensado que o fossem. Estiveram em minhas preocupações e orações, em apreciações e críticas, em indagações. Quis entender a muitos para não ser precipitado nem superficial. Descobri que uma das maneiras de evitar tal pecado é considerar o processo formador da identidade de uma pessoa. Para estreitar os vínculos com alguém é preciso ouvir sua história de vida: De onde veio, como é a sua família, como chegou até aqui, em que acredita ou desacreditou. Todo ser humano tem uma história e a primeira coisa a fazer quando nos aproximarmos de alguém é pedir que nos conte um pouco dela. Deve-se ouvir sem interferências, sem violar o patrimônio de sua memória.
Quando escutamos os outros com honestidade, somos capazes de tratá-los com paciência e ao mesmo tempo com objetividade, falando o que precisa ser dito, trocando experiências e favorecendo o amadurecimento mútuo. Ouvi coisas duras, foram ditas pela própria língua e pela dos outros, estiveram no papel e também em gestos e olhares. Palavras afiadas, algumas esmeraram a minha brutalidade, foram úteis, estão guardadas e sendo transformadas em caráter. Outras descartei, tentei aproveitá-las, mas não consegui, então lancei-as fora.
            Ainda quero trazer a memória conquistas e bênçãos. As primeiras são frutos do trabalho, as segundas, dádivas recebidas da e de graça mediante a fé. Ambas estão vinculadas, pois a bênção de Deus geralmente é precedida pela ação do homem. É a lei da colheita e também a virtude do contentamento. Planta-se o que deseja colher, aquieta-se, aprecia-se o vicejar das flores até o amadurecer oportuno dos frutos. Aprendi a apreciar a viagem e não apenas o destino desejado. Durante o percurso deste ano recebi bens imensuráveis. O conhecimento de mundo partilhado por grandes mestres, o redespertar da sensibilidade a partir da compaixão, a troca de saberes pelo diálogo, a revisão de posturas pelo confronto, a libertação de vontades humanas e alheias, uma maior emancipação de mim mesmo em pró de um Reino que é superior a qualquer instituição ou personalidade. Claro que está de bem com a mordomia material é importante, mas esta nunca deve sobrepor os valores que alimentam a alma e abrigam o espírito. A vida de um homem não consiste na abundância nem na escassez de bens corrosivos e corruptíveis que acumula, mas sim na qualidade da relação de amor com o Criador e com as pessoas por quem Ele ofertou o Filho.
            Apesar das fragilidades, teimosias e pecados, Deus continua sendo bom para comigo. E esse conceito sobre Ele independe de juízos, pessoas, conquistas ou bênçãos. Independe de bons ou difíceis anos. Continuarei a realizar esse balanço reflexivo anual, a fim de remir o tempo enquanto os dias são maus. Sobretudo, continuarei a crer e a experimentar o amor de Deus por mim e nos outros, até o momento em que habitarei em Sua Presença eternamente.

Pr. Alex Gadelha.

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